Alta sensibilidade e a dor da perda: respeitando e honrando nossas emoções

Alta sensibilidade e a dor da perda: respeitando e honrando nossas emoções

29/07/2017 artigos Rosalira Oliveira

 perda I

Recentemente sofri duas grandes perdas em minha vida: uma morte e uma separação.  Somadas, as duas me deixaram com uma profunda sensação de vulnerabilidade e desamparo. De repente muitas das certezas de minha vida foram sacudidas e eu precisei repensar quem eu era nessa nova conjuntura de vida. Tudo isso me levou a refletir sobre a alta sensibilidade e sobre o modo como nós, PAS, lidamos com as dores associadas ao simples ato de viver.

 

Ninguém está à salvo de tristezas, perdas e decepções.  A vida reserva sua quota de desafios para todos. Mas (e ai está um grande mas), cabe a nós a escolha da maneira como passaremos por estas situações. Todos conhecemos pessoas que passaram por situações traumáticas como a morte repentina de uma pessoa querida, a falência ou mesmo a descoberta de uma doença grave e conseguiram não apenas seguir em frente, como também, extrair dessas experiências uma lucidez e uma força interior que, não poucas vezes, as levou a descobrir maneiras de ajudar a outros que estejam passando pelas mesmas dificuldades. Por outro lado, todos conhecemos, também, pessoas que permaneceram aprisionadas a uma situação negativa, as vezes ocorrida há anos atrás, e que têm a sua vida contaminada pelo ressentimento e pelo vitimismo.

 

Atenção, não estou lhe propondo que tenha pensamentos positivos, que aja como se nada demais houvesse acontecido, que faça uma limonada com os limões que recebeu da vida ou outras recomendações deste tipo. De jeito nenhum. Até porque tenho o sentimento de que, por baixo de todas essas recomendações, existe uma profunda negação da dor e um desejo imenso de varrê-la para debaixo do tapete. Algo semelhante a experiência de ter uma pessoa ao seu lado, parente ou amigo bem intencionado, dizendo coisas como: “Vamos, se anime! Supere! Saia dessa! Você consegue”. Não sei quanto a você, mas no meu caso essas tentativas de me “pôr para cima” sempre serviram para acentuar minha tristeza, agora agravada pela culpa por não ser capaz de reagir como as pessoas esperavam de mim.

 

Não. Do meu ponto de vista escolher o modo de lidar com a experiência da dor significa, em primeiro lugar, permitir-se vivenciá-la. E aí neste simples primeiro passo começam as dificuldades. Vivemos em uma sociedade obcecada pela alegria (repare que não usei o termo felicidade, que para mim remete a algo mais profundo e autogerado), mas sim alegria.  Para nós, brasileiros, a tristeza é uma emoção-tabu renegada aos cantos mais ocultos da nossa vida e ser alegre, descontraído e de “bem com a vida” é um imperativo cultural. Com isso reprimimos a sua expressão e estimulamos a criação de uma máscara sob a qual as pessoas devem esconder as suas dores, sob pena de serem rejeitadas socialmente.

 

Ora, o sofrimento é uma emoção humana que a psique usa para curar a perda – qualquer tipo de perda. É um processo natural e não um sintoma de fraqueza ou algo para ser corrigido ou superado. Pelo contrário, é algo para honrar, aceitar e aprender. Ao contrário da inércia emocional da depressão, o sofrimento tem uma trajetória de cura inerente que busca sua resolução. Infelizmente, nossa sociedade não vê o sofrimento e a perda como importante, e em consequência, não nos permite o tempo adequado para curar seu impacto.

 

As PAS sofrem mais com a perda?dor da perda II

 

É bastante provável que as pessoas com alta sensibilidade processem a dor e o sofrimento de maneira mais profunda.  Simplesmente porque processar toda e qualquer informação em profundidade é uma das características centrais do traço. Isso pode significar que precisamos de mais tempo para metabolizarmos a dor e nos encaminharmos para a sua resolução, como se pode perceber nestes depoimentos extraídos de um site de conversas PAS:

  • “Eu perdi meus dois pais nos últimos dois anos e estou tão por baixo. Meus irmãos parecem ter se recuperado facilmente e eu realmente ainda estou lutando. Não encontrei muita informação sobre PAS e sofrimento, então me pergunto se alguém tem alguma contribuição. Desejo que a Dra. Aron escreva um livro sobre PAS e sofrimento!”
  • “Outra questão difícil para mim foi lidar com a pressão dos amigos menos sensíveis para ‘superá-lo’ Conseguir isso me parece tão ‘fácil’ como conseguir superar uma dor de cabeça apenas dizendo a si mesmo para não ter dor de cabeça por mais tempo.”

 

O que desejo enfatizar com estes depoimentos é que, mesmo vivendo num mundo que glorifica a superficialidade das emoções e que exige que demos rapidamente a “volta por cima”, nós PAS temos uma outra maneira de viver e processar a perda e necessitamos respeitar (e exigir dos demais que respeitem) nossas necessidades e nosso ritmo.

 

A outra característica central do traço da alta sensibilidade que pode nos levar a sofrer mais do que as pessoas de sensibilidade média é a intensa emocionalidade.   Nossas emoções não costumam ter meios-termos, sentimos tudo muito intensamente. Esta é uma das razoes pelas quais processamos as informações com profundidade. Somos motivados a refletir muito tempo sobre as coisas exatamente por conta dos fortes sentimentos que associamos a elas, sejam estes de curiosidade, medo, alegria, raiva ou o que quer que seja. Mas essa intensidade pode ser esmagadora, especialmente quando experimentamos sentimentos dolorosos. É por isso que nós, mais que as outras pessoas, precisamos aprender habilidades de regulação emocional.

 

Um artigo de pesquisa publicado na revista eletrônica do Australian Journal of Psichology concluiu que os indivíduos com alta sensibilidade de processamento sensorial (a característica biológica que funciona como um marcador da alta sensibilidade) são mais vulneráveis a sentimentos de angústia, ansiedade, depressão, etc., tanto por serem emocionalmente mais reativos, quanto por estarem mais conscientes de seus sentimentos (de todos os sentimentos, mas os cientista só mediram os mais dolorosos). Assim não é de estranhar que nós PAS tenhamos que fazer um esforço maior para lidarmos com as emoções e sentimentos dolorosos.

 

A dor como caminho

“Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.”

 

Tomo emprestadas as palavras do Eclesiastes para falar de ritmo e da alternância de opostos em nossa vida. O ritmo e a alternância são a própria pulsação da vida. Dia e noite, luz e sombra, frio e calor, inalar e exalar, alegria e tristeza…. O movimento conduz a dança da vida.

 

Assim também ocorre com as nossas emoções.  Há momentos na vida em que tudo parece bem e nos sentimos alegres, bem dispostos e capazes de encarar qualquer desafio. Porém há outros em que as dores e as perdas pesam sobre nós e o simples ato de viver se torna uma tarefa difícil. É normal, uma expressão da alternância de que falávamos acima. É preciso aceitar o momento com serenidade e procurar aprender com ele. Não convém reprimir as emoções dolorosas. Aquilo que se reprime não desaparece, mas retorna com mais força e passa a dirigir, sub-repticiamente, nossa vida. Como dizia Jung: “aquilo a que você resiste, persiste”.

 

Assim sendo não resista, deixe-se fluir com a sua dor.  Aceite-a e se dê o tempo que for necessário para encontrar a saída para além dela. Mas, tampouco, se prenda a ela. Não carregue sua dor no peito como se fosse uma medalha. Não se permita restringir, etiquetar, rotular, definir pela dor. Lembre-se, a vida é mudança, ritmo, ciclos, alternância. Quando nos recusamos a fluir com a seus ritmos, a vida para e ficamos presos na repetição de um passado que se recusa a passar.

 

Trata-se de um difícil equilíbrio entre permitir-se sentir plenamente a dor e o sofrimento e, ao mesmo tempo, manter-se atento(a) para evitar enamorar-se dele e torná-lo parte constitutiva da própria identidade. Pense no período de sofrimento como uma estação no ano da sua vida, viva-a e deixe-a ir na hora certa. Embora nada impeça o sofrimento algumas atitudes podem ajudam durante este inverno da alma

  • Aceite seus sentimentos. Não se envergonhe deles. Você tem todo direito a estar triste. Você sofreu uma grande perda:  algo ou alguém que era importante para você se foi, e com isso, uma parte sua também se foi. Sofrer por esta perda é não apenas natural, como também, uma maneira de honrar tudo o que você viveu e tudo que esta pessoa/situação significou para você.
  • Recolha-se e cuide-se com carinho. Diminua o ritmo das suas atividades. Fique mais em casa, durma mais. Seu corpo e sua mente estão gastando muita energia para assimilar a perda e incorporar essa experiência a sua nova identidade. Esse é um trabalho de alma que precisa de um casulo onde a transformação possa ocorrer.
  • Providencie suporte para seu corpo: O seu, já naturalmente reativo sistema nervoso PAS, estará sobrecarregado nesse período e isso pode, facilmente, levar a um profundo desgaste energético e ao adoecimento. Por isso seu corpo também precisa de cuidados especiais nesta fase. Coma mais carboidratos compostos (para gerar mais energia) e investigue como andam os seus níveis de vitamina D, Magnésio e Potássio, o trio de recuperação para as pessoas altamente sensíveis. Além disso, procure estar ao ar livre em contato com a natureza que sempre constitui um bálsamo para os nossos nervos.
  • Escreva. Escrever nos ajuda a tornarmo-nos consciente de nossas emoções e de nossos aprendizados.  Um Diário é um grande amigo e um lugar seguro para a expressão de suas emoções. Pense: Se fosse possível dar uma voz a cada uma das suas emoções, o que elas diriam? Registre suas vozes no seu Diário e dialogue com a sua dor.
  • Procure o significado: Acredito que todas as experiências dolorosas da vida encerram lições, e que só quando as compreendemos e incorporamos o seu significado que podemos realmente seguir adiante. Assim sendo, pergunte-se: O que posso aprender com isso? O que esta situação tem a me ensinar? Como posso sair dela mais sábio(a), fortalecido(a) ou amoroso(a)? Como esta minha experiência de vida pode ser útil a outras pessoas?
  • Fale: Quando se sentir pronto(a), converse com um amigo, um mentor ou mesmo um profissional. Mas, atenção procure alguém que compreenda e respeite a sua alta sensibilidade e se disponha a ouvi-lo com empatia e compaixão.

 

Estes não são conselhos teóricos, são as estratégias práticas que estou usando para honrar a minha dor e aprender com ela. Talvez sejam úteis para você. Talvez não. Penso que mais importante que as estratégias é o chamado para realizarmos uma mudança cultural em direção a um paradigma mais saudável, onde o sofrimento e a perda sejam honrados como importantes passagens da vida que precisam de atenção, nutrição e, sobretudo, de tempo para se percorrer o processo. A vida pode e deve ser levada adiante em um movimento leve e alegre, mas isso ocorrerá sempre, e quando, formos capazes de fazer o trabalho necessário para reconhecer e curar nossas feridas.

 

Para finalizar, deixo-lhe o atemporal poema do Eclesiastes 3, sobre os ritmos da Vida

 

Tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.

Há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou;

Tempo de matar e tempo de curar; tempo de derrubar e tempo de edificar;

Tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de dançar;

Tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar;

Tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de lançar fora;

Tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar;

Tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz. (Eclesiastes 3:1-8)

 

Lhe desejo carinho, cuidados e bons aprendizados no encontro com a sua dor. Se achar que o conhecimento sobre a alta sensibilidade pode ser uma ferramenta útil nessa jornada, se informe sobre a próxima turma do Programa Ame sua Sensibilidade ou, se quiser obter um trabalho mais individualizado, conheça o meu trabalho de coaching.

 

Beijos e bênçãos,

 

Rosalira

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Sobre o autor
Rosalira Oliveira Sou coach com formação em coaching ontológico e especializada em alta sensibilidade. Fiz minha transição recentemente, quando encerrei meu ciclo como pesquisadora e doutora em antropologia cultural e tornei-me criadora do “Ame sua sensibilidade”, um programa de coaching destinado a ajudar as pessoas altamente sensíveis a compreender e integrar em essa sua característica, de modo a viver uma vida com mais felicidade e significado.

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