Um chamado à neurodiversidade

Um chamado à neurodiversidade

23/03/2024 artigos Rosalira Oliveira

“Cada diferença é preciosa e deve ser cuidada com carinho” (Margareth Mead – antropóloga)

 

Por Fábio Cunha.

 

A Semana de Celebração da Neurodiversidade, que acontece entre os dias 18 e 24 de março, é uma iniciativa mundial que desafia estereótipos e equívocos sobre as diferenças neurológicas. Seu objetivo é transformar a maneira  como os indivíduos neurodivergentes são percebidos e apoiados, proporcionando às escolas, universidades e organizações a oportunidade de reconhecer os muitos talentos e vantagens de ser neurodivergente, ao mesmo tempo em que cria culturas mais inclusivas e equitativas que celebram as diferenças e capacitam cada indivíduo.

 

Em diversas conversas sobre neurodiversidade em grupos de Pessoas Altamente Sensíveis surgem dúvidas sobre se o traço da alta sensibilidade pode ser considerado uma neurodivergência. Por isso, considero importante aproveitar esta semana de conscientização para esclarecer o que é neurodiversidade e lembrar que se trata, antes de tudo, de uma visão de mundo que deve partir de nós mesmos – pessoas  altamente sensíveis – que, muitas vezes, ao invés de acolher e celebrar as particularidades de nosso traço lutamos para nos encaixar em padrões que não servem para nós.

 

Mas, antes, o que é exatamente Neurodiversidade?

Antes de adentrarmos no tema, é essencial esclarecer o significado de neurodiversidade. Criado pela socióloga australiana Judy Singer em 1998, o termo neurodiversidade refere-se às diversas maneiras humanas de existir, refletindo distintas composições cerebrais e neurológicas. Seu propósito fundamental é deslocar o foco atribuído à condições como o autismo, o TDAH e a dislexia, entre outras, reconhecendo-as como conexões neurológicas atípicas, ao invés de encará-las como doenças a serem curadas ou limitações a serem superadas, o conceito de neurodiversidade as entende como parte da rica diversidade do espectro humano. Embora inicialmente associado ao espectro do autismo e, posteriormente, expandido para abranger condições como TDAH e dislexia, o conceito não se restringe a condições específicas ou necessidades que exijam diagnósticos precisos.

 

A partir desta perspectiva, a neurodiversidade busca acolher todas as pessoas que apresentam diferenças nas suas conexões cerebrais e neurológicas, possibilitando uma compreensão mais ampla de como elas funcionam e processam informações de maneiras distintas. O termo “neurodivergente” ou “neurodiverso” passa, então, a ser utilizado para descrever indivíduos cujo funcionamento neurológico e/ou cognitivo difere do padrão considerado típico.

 

mosaico da neurodversidadeE nós? Somos neurodiversos? 🤔

Dado que a alta sensibilidade implica em diferenças na forma de pensar, captar e processar informações  e de interagir com o meio ambiente e dado o fato de que as pessoas altamente sensíveis muitas vezes precisam de adaptações específicas para funcionar melhor, é inegável que as PAS fazem parte do universo das pessoas neurodivergentes.

 

Estudos indicam que cerca de 20% da população é neurodivergente, e essas diferenças podem ser inatas ou adquiridas ao longo da vida. Contudo, para o conceito de neurodiversidade essa distinção não é relevante. Atualmente, o movimento da neurodiversidade se apresenta como um guarda-chuva para ilustrar as diversas condições neurodivergentes, não com o intuito de limitar, mas de permitir que mais pessoas se reconheçam como neurodivergentes e deixem de encarar suas condições como anormais.

 

Para deixar mais claro, é importante ressaltar alguns pontos essenciais sobre a neurodivergência:

      • É um termo que inclui a neurodivergência inata ou a adquirida (desenvolvida ao longo da vida);
      • É um termo para todos os que divergem da neuronormatividade e que foram rotulados como portadores de um transtorno ou doença, simplesmente por funcionar e ter necessidades diferentes da maioria;
      • Não é um termo positivo ou negativo, é neutro;
      • Você pode se identificar como neurodivergente e sofrer com suas experiências e diferenças, considerando-as limitantes e pode achar necessário receber tratamento ou medicação para lidar com isto;
      • É um termo para aqueles que não querem mais descrever suas diferenças como doença;
      • Neurodivergente não é um termo clínico, médico ou um diagnóstico ou qualquer outro termo relacionado ao paradigma da patologia. É uma identidade.

 

perspectiva da neurodiversidadeMais do que um termo científico, a neurodiversidade se refere a uma nova visão de mundo que se contrapõe ao chamado “Paradigma da Patologia”, que trata qualquer condição fora do que é definido como o funcionamento “normal” do ser humano como uma doença ou transtorno. A visão de mundo expressa no paradigma da patologia usa uma lente baseada em um conceito estrito de normalidade e trata qualquer desvio da construção social normativa como doença. Seus pressupostos são:

      • Existe apenas uma forma normal de funcionamento cerebral e mental.
      • Qualquer desvio desse padrão é considerado errado e sujeito a rotulação como transtorno ou doença.
      • O funcionamento cerebral, mental e comportamental deve ser ajustado para se adequar a esse padrão.

 

Esta forma de ver o mundo tem causado mais mal do que bem ao longo da história, e é, também, o resultado de uma visão extremamente unilateral do ser humano. Um exemplo: as chamadas “funções executivas” consideradas normais no funcionamento do cérebro humano, são, na verdade, uma série de valores capitalistas disfarçados de habilidades. Essas regras sobre como uma pessoa “normal” deve funcionar respondem diretamente às metas de produtividade do capitalismo e ditam que:

      • O valor de uma pessoa está ligado à sua produtividade e capacidade de trabalho.
      • O lucro e a produtividade têm prioridade sobre o bem-estar e a felicidade das pessoas.
      • A independência e a autoconfiança são fundamentais.
      • A consistência e a previsibilidade são qualidades a serem valorizadas.

 

perspectiva neurodiversidadeEsta visão limitada promove o perfeccionismo, o pensamento linear, a adoração das metas quantitativas em detrimento da qualidade, a valorização da urgência, o medo do conflito aberto, o individualismo exacerbado, a objetividade em detrimento da subjetividade e a defensividade.

 

A neurodiversidade, portanto, representa muito mais que um termo ou conceito. Trata-se de uma outra perspectiva de mundo e de sociedade. Uma perspectiva que reconhece e celebra a diversidade humana em todas as suas formas, incluindo todas as expressões que são características únicas da alta sensibilidade, como a criatividade, imaginação, intuição, profundidade, empatia honestidade, responsabilidade social e respeito. Exigir que nossos ambientes e rotinas sejam adaptados à nossa diferença é proteger a nossa sensibilidade para que estes valores, nossa marca, nossa beleza, se expresse em tudo aquilo que fizermos.

 

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Sobre o autor
Rosalira Oliveira Sou coach com formação em coaching ontológico e especializada em alta sensibilidade. Fiz minha transição recentemente, quando encerrei meu ciclo como pesquisadora e doutora em antropologia cultural e tornei-me criadora do “Ame sua sensibilidade”, um programa de coaching destinado a ajudar as pessoas altamente sensíveis a compreender e integrar em essa sua característica, de modo a viver uma vida com mais felicidade e significado.

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