“Ninguém me entende”: alta sensibilidade, culpa e vitimização

“Ninguém me entende”: alta sensibilidade, culpa e vitimização

28/09/2021 artigos,destaque,Slide Rosalira Oliveira

Entre as muitas mensagens que costumo receber esta é uma constante: “ninguém me entende”. Ou, então as suas variações, como: “o mundo é um lugar cruel”; “as pessoas são muito insensíveis”, e por aí vai…  Sempre que leio ou ouço estas afirmações me pergunto sobre as expectativas que estas PAS alimentam a respeito das suas relações – sejam elas, familiares, afetivas, profissionais ou de outro tipo.

 

Explico-me: uma relação é, por definição, algo relacional (ou seja, que envolve mais de um polo). Em sendo assim, a qualidade de uma relação é o resultado da construção de todos os que estão envolvidos nela. E esta “simples” constatação nos traz ao tema da responsabilidade. Penso que o que estamos fazendo ao jogar toda a culpa “no mundo”, “nas pessoas” ou “nos outros”, é abrir mão da nossa responsabilidade em aprender a lidar com o nosso traço de personalidade e encontrar o nosso lugar no mundo.

 

Atenção: Responsabilidade não significa culpa. A culpa é um conceito tóxico, cujo uso nos leva, exatamente, a reforçar esta dinâmica de vitimização, que considero uma armadilha tão grave para os altamente sensíveis.

 

Lançar culpas,  para dentro ou para fora

 

Como disse antes, para mim, a culpa é o oposto da responsabilidade. Em minha opinião, culpar implica na negação da responsabilidade.  Digo isto porque quando culpamos – seja um outro seja a nós mesmos – agimos como se um dos polos da relação fosse todo poderoso, enquanto o outro não tivesse poder algum. E acreditar que não tem nenhum poder sobre a sua vida é uma das características da vítima. É claro que, na maior parte das relações, o poder não está distribuído de maneira igualitária. Mas, é importante que você entenda que ter menos poder não é o mesmo que não ter poder algum.  Entre os altamente sensíveis, o jogo de culpas costuma se expressar de duas maneiras: a primeira é achar que não se tem culpa de nada e tudo é obra dos outros; a outra é atribuir a si mesmo(a) a culpa por tudo o que acontece. Percebe o que eu disse antes, sobre um dos polos ter todo o poder?

 

Vejamos a primeira atitude: atribuir toda a culpa aos demais. Pense comigo, enxergar o seu entorno como a origem dos seus problemas é algo que lhe tira todo poder. O próximo passo lógico, é ver-se na posição de vítima que nada pode fazer para mudar a situação. O máximo que uma vítima pode fazer é esperar que “alguém” a salve ou que os “outros” mudem sua atitude em relação a ela. Nos dois casos, trata-se de uma atitude passiva, que talvez desperte piedade, mas não respeito. Infelizmente, esta não é uma postura incomum entre as PAS. É como se o “ninguém me entende” fosse a desculpa perfeita para não entrar em ação. Nestes casos a minha pergunta tende a ser: “E o que você faz para ser entendido(a)?

 

Repare na armadilha: Quando andamos por aí distribuindo culpas estamos, automaticamente, renunciando à nossa autonomia e entregando nas mãos “dos outros” nossa paz de espírito, nosso bem-estar e, até mesmo, os rumos da nossa vida. Entretanto, quando assumimos a nossa parcela de responsabilidade sobre determinada situação, passamos a nos concentrar em identificar as atitudes que podemos (olha o poder aqui de novo) ter para criar as mudanças que desejamos. Passamos de uma postura passiva para uma proativa, na qual buscamos descobrir nossos recursos e a melhor maneira de utilizá-los dentro da situação.

 

O segundo caso: culpar-se por tudo o que ocorre de errado, também é algo comum. Muitas PAS têm a tendência a assumir responsabilidades que não são suas (como, por exemplo, o bem-estar ou a felicidade das pessoas queridas). Nestes casos, se sentem culpadas por coisas sobre as quais não tem (realmente) qualquer poder de influência. Ocorre que, quando assumimos a culpa por algo que não nos pertence – numa espécie de fantasia de super-herói (ou heroína) – estamos tirando (ou tentando tirar) )da outra pessoa o direito de decidir sobre sua própria vida e de arcar com o resultado das suas escolhas. O que parece ser um “ato de amor” é, no fundo, um ato de desvalorização da outra pessoa, que a priva do seu poder e, que, à longo prazo, tende a ser danoso para os dois lados da relação.

 

Percebe por que considero este jogo de culpas uma armadilha? A verdade é que todo mundo comete erros. Assumir a responsabilidade pela nossa parte dentro de um relacionamento e saber perdoar – tanto a nós mesmos quanto aos outros – é um passo vital no processo de crescimento pessoal. E é também algo que nos ajudará a aumentar nossa autoestima e, com isto, nos sentirmos mais confortáveis na nossa pele, sendo inclusive capaz de aceitar que existem pessoas que, de fato, não nos entendem

 

E como saio desta armadilha?

 

Já comentei em outros artigos que uma das coisas que gosto na palavra responsabilidade, é que ela traz oculta dentro de si duas outras palavras: resposta e habilidade. Assim, podemos enxergar a responsabilidade como sendo exatamente isto: a nossa habilidade para dar resposta às diferentes situações da nossa vida. Sim. Dentre muitas respostas possíveis, sempre posso escolher como agir. E não há como fugir. Nós estamos sempre respondendo às situações, mesmo que a resposta seja não fazer nada.

 

Penso que, como PAS, nosso maior desafio no campo da responsabilidade está em reconhecer e respeitar nossos limites. E em fazê-los serem respeitados também, é claro. Um limite é o espaço onde você termina e outro começa, e não apenas no sentido físico, mas também em termos dos nossos sentimentos, pensamentos, etc. Quando temos limites muito frágeis e não conseguimos nos diferenciar dos demais, permitimos que as necessidades deles prevaleçam sobre as nossas e nos sentimos vítimas das suas atitudes.  Veja que eu usei a palavra permitir, porque quando não nos defendemos de um tratamento que nos magoa, estamos dando a outra pessoa a permissão para continuar agindo deste modo. Estabelecer o que, para nós, é aceitável ou não dentro de uma relação é nossa responsabilidade e se não fazemos isso é improvável que recebamos o tratamento que achamos que merecemos.

 

Da mesma maneira, quando nossos limites não estão claros, tendemos a nos identificar em demasia com as pessoas próximas, nos envolvendo em suas vidas e buscando, a todo custo, resolver problemas que, de fato, não são nossos. Com isto deixamos de viver nossa própria vida e assumimos a culpa por situações que, na verdade, não estão sob o nosso controle.

 

A chave, portanto, está em delimitar-se, ou seja, estabelecer com clareza quem sou e quem é o outro. Aquilo pelo que eu devo me responsabilizar – meu tempo, minha saúde meus sentimentos – e aquilo que é responsabilidade do Outro. Só aí, partindo da minha identidade e da liberdade de ser quem eu sou, vou poder me encontrar em uma relação sem cair nos jogos de culpa e de vitimização.

 

Se você quiser algumas sugestões para como começar a tarefa de estabelecer seus limites, dê uma olhada nestes vídeos que estão lá no meu canal no youtube:

 

Delimitação: a difícil arte de estabelecer limites

Como estabelecer limites e reduzir o estresse

 

Espero, de coração, que estas reflexões lhe ajudem a sair da tristeza causada pela sensação de não ser compreendido(a) para a alegria de sentir-se capaz de construir a própria vida de acordo com os seus desejos e necessidades.

 

Beijos e bênçãos e até o próximo mês,

 

 

 

 

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Sobre o autor
Rosalira Oliveira Sou coach com formação em coaching ontológico e especializada em alta sensibilidade. Fiz minha transição recentemente, quando encerrei meu ciclo como pesquisadora e doutora em antropologia cultural e tornei-me criadora do “Ame sua sensibilidade”, um programa de coaching destinado a ajudar as pessoas altamente sensíveis a compreender e integrar em essa sua característica, de modo a viver uma vida com mais felicidade e significado.

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