Modulação: a partitura musical da alta sensibilidade

05/01/2025 artigos Rosalira Oliveira

Estive pensando sobre o nosso traço e as dificuldades que ele pode trazer para nossa vida. Afinal de contas, embora eu fale sempre sobre a necessidade de amar a nossa sensibilidade, nunca neguei que ela também traz consigo alguns desafios com as quais precisamos aprender a lidar. Pensando nisso, me veio à mente a palavra modulação. E, para mim, ela não apenas fez todo o sentido do mundo, como passou a ser a melhor descrição para o trabalho que faço com meus clientes altamente sensíveis

Mas, vamos começar do começo: O que é modulação?  De acordo com o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa a palavra modulação tem sua origem no latim que significa medir; regular; marcar o ritmo, variar a altura ou a intensidade da voz, compor versos, tocar”.   Um exemplo disto é quando dizemos que um bom orador modula o tom da sua voz para despertar o interesse do público, compreende?

Um uso bem comum da palavra modulação é na música, onde ela é utilizada para se referir à mudança de tonalidade dentro de uma composição. Pense em uma partitura musical. Nela está indicado em que momento uma nota será tocada no seu tom mais alto ou mais baixo. Isto é a modulação e é esta variação que confere profundidade e emoção à peça musical.

Tá bom, mas o que isto tem a ver com a alta sensibilidade?

Pense no exemplo acima. Imagine a gestão da sua sensibilidade como se fosse a partitura de uma composição musical. Tal como na música, a modulação da alta sensibilidade nos permite controlar a expressão de uma determinada característica ligada ao traço, vivenciando-a em seu nível mais alto ou mais baixo. Modular a alta sensibilidade é, portanto, variar a intensidade com que vivenciamos as características ligadas ao traço, de acordo com cada momento da nossa vida.

Quando aprendo a modular a minha sensibilidade aos estímulos ambientais, posso vivenciá-la no seu nível mais alto – quando estou apreciando a natureza ou desfrutando de uma obra de arte – ou no seu ponto mais baixo – quando estou em um ambiente hiperestimulante e quero me sentir menos afetada por este excesso de estímulos.

Este sobe e desce me permite atuar no mundo sem tentar negar quem eu sou e, ao mesmo tempo, sem me sentir esmagada pelos aspectos mais difíceis da minha sensibilidade. Quando aprendemos a modular o traço da alta sensibilidade nos tornamos capazes de navegar pelo mundo com autenticidade e confiança, valorizando nossas características individuais sem nos tornarmos vítimas delas. Esta adaptabilidade é fundamental para fazer frente aos desafios da alta sensibilidade.

 

E como fazemos para modular nossa sensibilidade?

De acordo com a neurociência, modulação é o processo de mudar a forma de uma relação entrada-saída. Isto significa dizer que a modulação diz respeito à maneira como você responde aos estímulos, sejam eles internos ou externos, físicos ou emocionais.  E esta maneira de responder está diretamente ligada ao nível de regulação ou desregulação do seu sistema nervoso.

Já reparou que quando você está estressado(a), com fome ou não sem dormir direito fica muito mais reativo(a)? Parece que todos os estímulos se amplificam e algo que lhe incomodava passa a lhe incomodar muito, muito, muito mais? Pois é. Nestas condições é quase impossível modular nossa resposta aos estímulos. Portanto, a tarefa principal será a de acalmar nosso sistema nervoso quando ele está preso no “modo sobrevivência”.

Mas como??? Estratégias de modulação

Partindo da afirmação acima: é impossível praticar uma boa modulação quando estamos saturados ou sobrecarregados, quero te apresentar algumas estratégias para aumentar a sua capacidade de modular sua resposta aos estímulos.

  1. Crie um ambiente físico saudável

Quanto mais desorganizado é o seu entorno físico mais ele exige em termos da sua atenção. Simplificar o seu ambiente pode reduzir significativamente a quantidade de estímulos sensoriais que o seu cérebro precisa processar, o que ajuda a reduzir as sensações de saturação e fadiga e aumenta sua capacidade de modular a resposta aos estímulos.

  1. Use seu sistema de dopamina para ajudar a regular sua resposta emocional.

A dopamina é um neurotransmissor que ajuda a controlar a área de “recompensa e prazer” do nosso cérebro. A dopamina é liberada como uma recompensa por fazer algo — aquela sensação boa que temos quando atingimos uma meta ou satisfazemos um desejo. Ela também ajuda a regular nossa resposta emocional. A pesquisa indica que os altamente sensíveis são menos  motivados por recompensas externas do que não-PAS porque respondem de forma diferente à dopamina. Indivíduos altamente sensíveis podem se ver tímidos em festas altamente estimulantes ou bares lotados como um meio de se livrar da semana de trabalho. Em vez disso, eles tendem a preferir envolverem-se em atividades criativas, passar um tempo calmo em casa ou estar com um grupo pequeno de amigos como formas de aumentar os seus níveis de dopamina.

  1. Trabalhe sua função “descanso e digestão”.

O sistema nervoso parassimpático é o principal controlador do nosso bem-estar. Ele é o responsável pela função que chamamos “descansar e digerir”. Descansar e digerir” é o contrário de  “lutar ou fugir”, como resposta ao estresse. Uma maneira comprovada de reforçar esta função é exercitar o nervo vago, encarregado de levar mensagens para as regiões do nosso cérebro que coordenam a nossa resposta ao estresse. Cantar, cantarolar, abraçar alguém, meditar, praticar e yoga e outras atividades semelhantes contribuem para aumentar o tônus do nervo vagal ajudando a melhorar a resiliência emocional.

  1. Acalme seu corpo usando técnicas somáticas.

Pessoas altamente sensíveis, por possuírem uma grande capacidade analítica, podem desenvolver o hábito de viverem presas na sua própria cabeça ignorando que as emoções também se processam no nosso corpo. A “terapia somática” é uma prática terapêutica que une mente, corpo e espírito, com base em práticas corporais conscientes. Não há uma maneira especial de fazer isso, o importante é estar presente no movimento. Executar movimentos dessa forma exige que a mente se concentre nos ritmos do corpo e isto interrompe os pensamentos ansiosos, lhe tirando da cabeça e trazendo de volta para o corpo. Experimente!

  1. Respire lentamente e de maneira consciente

A respiração consciente é uma parte importante da terapia somática. Essencialmente ela reduz o número de respirações por minuto de uma média de 15 para cinco. Desacelerar nossa respiração sinaliza ao nosso sistema nervoso que estamos em um estado relaxado, seguro e podemos descansar. Se você quer uma maneira relativamente rápida de trazer calma para uma mente preocupada ou ocupada, especialmente antes de dormir, você pode praticar este tipo de respiração. Veja como:

        • Inspire lentamente contando até seis
        • Solte a respiração lentamente contando até seis
        • Continue pelo tempo que precisar
  1. Priorize o tempo de inatividade — é uma necessidade para as PAS!

PAS precisam de espaço de inatividade para descomprimir, processar suas emoções e encher seu copo de energia. Juntamente com as nossas profundas habilidades de processamento e nossa tendência a sentir tanto, vem a necessidade de passar mais tempo sozinhos do que outros.  Incluir um tempo de inatividade no dia pode ser um amortecedor, mesmo que sejam apenas 10 minutos com uma xícara de chá de ervas. Existem muitas maneiras de recarregar as baterias e, mesmo que o tempo seja escasso, todos podemos.

 

  1. Trabalhe na Habituação

Lembra que eu falei a modulação é o processo de mudar a relação entrada/saída como resposta aos estímulos? Pois bem,  a  habituação é um conceito da psicologia que se refere exatamente à diminuição da intensidade da resposta a um estímulo após uma exposição repetida.  A habituação nos permite aumentar nossa tolerância e modular nossa resposta aos gatilhos do estresse. A habituação depende de alguns fatores: a intensidade do estímulo (um estrondo alto levará mais tempo para se acostumar do que um zumbido suave); a frequência da exposição (quanto mais frequentemente você encontrar o estímulo, mais rápido você se acostumará) – nossas diferenças individuais (a alta sensibilidade faz com que nós, altamente sensíveis, tenhamos mais dificuldades para nos acostumar a um estímulo). Mas, dificuldade não quer dizer impossibilidade e trabalhar na habituação é uma maneira fundamental de modular a alta sensibilidade.

Então é isto. Modulação tem tudo a ver com construir adaptabilidade, e com isto nos tornamos capazes de fazer frente aos desafios da vida sem sermos engolidos por eles. Aprender a modular a sua sensibilidade é aprender a cuidar bem de si mesmo(a) e encontrar a sua força, tendo a certeza de que é capaz de navegar pelas dificuldades  que apareçam no caminho.  É tornar-se capaz de lidar com os desafios da vida com assertividade e sensibilidade. As duas coisas se complementam. Eu acredito nisto!

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