Com toda certeza, uma das questões que mais causam sofrimento às pessoas altamente sensíveis é…
Entre a calma e a fúria: alta sensibilidade e o desafio da raiva
Bem, este é um tema que nunca antes foi abordado aqui no Blog. A verdade é que se trata de um tema frequentemente ignorado quando falamos sobre a alta sensibilidade. É como se sentir e, principalmente, expressar a raiva fosse, de certo modo, algo incompatível com o traço da alta sensibilidade. E nada poderia estar mais distante da realidade.
Nós, como as demais pessoas, sentimos raiva e, para além da idealização das Pessoas Altamente Sensíveis como uma espécie de “anjos” feitos apenas de emoções agradáveis, precisamos reconhecer a nossa raiva e aprender a lidar com ela.
Porque é difícil para nós?
Para as pessoas altamente sensíveis reconhecer e canalizar a raiva pode ser um processo bastante difícil. Devido às algumas das características ligadas ao traço – como a empatia aguçada, o medo do conflito e o desejo de agradar a todos, entre outros – muitas PAS reprimem a própria raiva e nem sequer reconhecem quando a estão sentindo. Existe, também a ideia culturalmente difundida de que a raiva é uma emoção “negativa” e que, deve ser evitada a todo custo.
Se, por exemplo, eu acredito que alguém está abusando de mim, a emoção coerente e saudável é que eu sinta raiva, seja da pessoa, seja de mim mesma por permitir esta situação. E então? O que eu vou fazer com a minha raiva? Vou reprimi-la e agir como se não estivesse sentindo este incômodo? Vou expressar a minha raiva de maneira agressiva? Vou utilizar estratégias passivo-agressivas para machucar e/ou ferir a outra pessoa? Vou regular minha emoção e canalizar a raiva? O que, afinal, eu vou fazer com este sentimento? Esta é a questão importante aqui.
Infelizmente, muitas pessoas altamente sensíveis não aprenderam a lidar com a própria raiva e acabam por apelar para estratégias danosas: seja a repressão, pura e simples; a agressão passiva ou a dinâmica do ioiô, na qual a pessoa vai aceitando tudo de maneira passiva até que explode por algo aparentemente “banal”. Você se reconhece em algum destes comportamentos?
A raiva como mensageira
Vejo a raiva como um mensageiro (um tanto grosseiro às vezes, porém muito útil). Por isso é importante aprender a percebê-la e a entender qual mensagem ela está tentando transmitir. A raiva pode trazer muitos recados, entre eles:
- Não nos sentimos vistos/ouvidos ou respeitados
- Nossos limites foram violados
- Estamos nos sentindo usados pelos demais
- Estamos sobrecarregados pelo excesso de exigências (da nossa parte ou de outras pessoas)
- Nossas expectativas não foram atendidas
Portanto, é muito importante que, quando a raiva surja você (ou eu) se dedique a permitir que ela exista e preste atenção ao que ela está tentando dizer. A raiva também pode ser extremamente energizante. Ao aprender a ouvir o que ela está tentando nos dizer, podemos encontrar a coragem para estabelecer limites; expressar nossas necessidades com mais clareza; e defender resultados mais justos.
Explodir ou implodir: duas atitudes destrutivas
Geralmente, existem dois tipos de relacionamento entre a pessoa altamente sensível e a raiva, definidos pela forma como ela a processa. Uma maneira é “externalizá-la” por meio da fala e do comportamento, e a outra é “internalizar” a raiva, contendo-a na psique e no corpo. Costumo dizer que a escolha aqui é entre explodir (externalizando a raiva) ou implodir (internalizando-a). Mas, a dura verdade é que, quando feitas de forma rígida, extrema e disfuncional, ambas as atitudes se revelam danosas e trazerem consequências negativas para nós mesmos e para as nossas relações.
Entretanto, quando aprendemos a expressar corretamente a nossa raiva estas mesmas atitudes podem ser benéficas, tanto para nós quanto para a qualidade das nossas relações. Uma raiva externalizada de maneira saudável tende a se manifestar como assertividade e autorrespeito. Da mesma maneira, algum nível de internalização da raiva é parte constitutiva do processo de regulação desta emoção. Só assim nos tornamos capazes de expressá-la de maneira serena, porém efetiva.
Regulação Emocional: a chave para lidar com a raiva
Aprender a gerenciar suas emoções de maneira saudável é uma tarefa essencial para todas as pessoas altamente sensíveis. Afinal, a intensidade emocional que caracteriza o traço, pode ser avassaladora, especialmente quando temos sentimentos difíceis ou dolorosos.
Este processo tem um nome, chama-se regulação emocional.
Regulação Emocional é o processo de gerenciamento das nossas emoções, que nos habilita a manter o equilíbrio emocional e responder de forma adequada aos desafios dos relacionamentos. Ou seja, trata-se de desenvolver nossa capacidade de influenciar as emoções que sentimos, quando as sentimos e como as expressamos ou vivenciamos.
No caso da raiva, trata-se de aprender como senti-la e expressá-la de maneiras não destrutivas. Aqui estão algumas estratégias que podem lhe ser úteis. São apenas sugestões e não são as únicas possíveis, mas elas podem lhe servir de inspiração.
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Permita-se sentir sua raiva
Antes de poder expressar sua raiva você precisa processá-la (e fazer isto com a profundidade que caracteriza os altamente sensíveis). Isto pode ser feito de muitas maneiras. Você pode, por exemplo, escrever toda a história e registrar as suas percepções. Pode, também, conversar com alguém de sua confiança e, pode ainda, simplesmente sentar-se em um lugar seguro e… chorar! Chorar pode beneficiar sua mente e corpo desintoxicando-o e até mesmo ajudando a aliviar a dor. Ou pode ainda expressar fisicamente a sua emoção, gritando, rasgando papel ou socando uma almofada, desde que esteja em local adequado, é claro.
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Use estratégias físicas para se acalmar
A emoção não acontece apenas na sua mente. Seu corpo também é envolvido. A raiva aciona o sistema nervoso simpático, levando à liberação de hormônios como cortisol e adrenalina e neurotransmissores como noradrenalina. O cortisol é um hormônio do estresse que prepara o corpo para lidar com ameaças. Por isto é importante utilizar estratégias para acalmar seu sistema nervoso e criar um relaxamento físico e mental. Você pode optar por um banho quente, meditação, técnicas de respiração profunda, yoga, passeios na natureza, entre outras atividades. Escolha uma ou mais delas e use com regularidade. Com o tempo, seu cérebro associará a atividade ao relaxamento e seu efeito será cada vez mais rápido e profundo.
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Reconheça a mensagem subjacente
Lembra quando eu disse que a raiva é um mensageiro? Pois bem, é importante identificar a mensagem. Qual a razão que lhe levou a ficar com raiva? O que esta emoção está querendo lhe dizer? Geralmente, quando chegamos ao ponto de sentir raiva, deixamos passar outros sinais (bandeiras vermelhas), que nos avisavam de que uma determinada situação não estava sendo confortável para nós. Podemos, por exemplo, ter engolido nosso descontentamento com o nosso conjugue para não criar um atrito, e vamos acumulando raiva, até o momento em que explodimos ou implodimos. Entender o que a raiva diz a nosso respeito (nossos gatilhos e expectativas) e a respeito da dinâmica dos nossos relacionamentos é parte fundamental do trabalho de regulação emocional.
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Questione sua interpretação dos fatos
Outra parte essencial da regulação emocional é aprender a diferenciar entre fato e interpretação. Fatos são aqueles eventos/acontecimentos visíveis a todos os participantes ou observadores de uma determinada cena. Já as interpretações dizem respeito à explicação que nós damos a estes eventos/acontecimentos. As interpretações são subjetivas e profundamente influenciadas por fatores externos ao fato, como a nossa cultura, história de vida, tipo de personalidade etc. Um exemplo: Imagine que você marcou um encontro com uma amiga e ela chegou 30 minutos atrasada (fato). Enquanto espera, você começa a elaborar explicações: “ela não tem respeito por mim”; “acha que eu estou à disposição dela” ou “ela deve ter tido um problema qualquer”, etc. Tudo isto são interpretações. Porém, algumas vão lhe deixar com raiva, enquanto outras vão lhe predispor a ouvir com calma a explicação da sua amiga. Questionar nossa interpretação dos fatos pode abrir espaço para evitarmos mal-entendidos e reações de raiva injustificadas
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Cuide bem do seu corpo
É importante ter em mente que, embora pareçam algo intangível, as emoções também vivem em nosso corpo. Elas criam reações físicas dentro de nós, como aumento da frequência cardíaca, respiração rápida, tensão muscular, liberação de hormônios de estresse (como a adrenalina) e pupila dilatada, entre outras. Portanto, cuidar bem do nosso corpo é essencial para conseguir restaurar o equilíbrio físico e mental. Parece simples demais para ser verdade, mas realmente ajuda: faça refeições saudáveis regularmente, faça exercícios, beba muita água e durma o suficiente. Estes são os cuidados básicos, e é provável que um deles seja mais efetivo para você do que os outros. O exercício , por exemplo, libera endorfinas (associadas ao bem-estar) e protege seu corpo dos efeitos nocivos do estresse, fortalecendo seus sistemas cardiovascular, digestivo e imunológico. Já o sono é crucial para as pessoas altamente sensíveis “limparem” emoções dolorosas e processarem suas experiências.
Pessoas altamente sensíveis costumam ser julgadas pela sua intensidade emocional. Sentir tão profundamente é algo malvisto em nossa sociedade, mais ainda quando se trata da raiva. É fácil ceder à esta pressão e ignorar nosso sentimento. Só que a raiva não desaparece, ela vai encontrar uma maneira (explosiva ou implosiva) de se expressar.
Por isso é fundamental aprendermos a fazer as pazes com nossas emoções. Algumas vezes – como no caso da raiva – elas são dolorosas e machucam. Mas, elas nos ensinam e nos dão o poder para crescer e seguir em frente. Afinal, a vida é feita de luzes e de sombras e a grande aventura é abraçar por inteiro a pessoa que nós somos.
Beijos e bênçãos e até o próximo mês