Talvez você estranhe este título. Talvez não saiba muito bem o que vem a…
Alta sensibilidade, álcool e outras (possíveis) adicções.
Ufa! Este é um artigo que me custou muito escrever. Em primeiro lugar porque reconheço o tema ultrapassa as competências de um profissional da área do coaching, como é o meu caso. E em segundo, porque as razões que levam alguém a desenvolver um vício ou adicção se enraízam não apenas num ou noutro traço de personalidade, mas também em toda uma série de fatores, mais ou menos conhecidos, o que torna arriscado tratar do assunto enfocando apenas o traço da alta sensibilidade.
Entretanto, a razão que me leva a encarar este desafio é o fato de que a alta sensibilidade pode(atenção: pode) nos tornar mais vulneráveis a comportamentos adictivos. E neste caso me parece importante a divulgação destas informações na qualidade de alerta.
É claro que nem toda pessoa altamente sensível terá problemas com este tema. Outros fatores como preferências pessoais, estilo de vida, educação, história familiar, bem como o grau de sensibilidade, também desempenham um papel importante na nossa probabilidade de depender do álcool ou de outras substâncias como mecanismos de enfrentamento.
Mas, infelizmente, as pesquisas indicam que as pessoas com um temperamento sensível são mais vulneráveis ao desenvolvimento desse tipo de problema. E isto é relativamente fácil de entender. Quando se tem as emoções à flor da pele, as experiências de rejeição, tristeza, crítica, solidão ou ansiedade podem parecer incrivelmente intensas. Se pensarmos que o álcool, a comida, as compras, as redes sociais ou outras substâncias/atividades podem ajudar a reduzir o impacto dessas experiências, podemos compreender por que o comportamento adictivo constitui um risco para muitos de nós
As razões por trás da nossa vulnerabilidade
Muitas PAS costumam recorrer ao abuso de álcool, drogas, sexo, comida, jogo, compras ou internet, por exemplo, como uma espécie de automedicação para eliminar o mal-estar que causado pela reação emocional muito intensa e pela hiperestimulação. As PAS são profundamente afetadas pelo ambiente e pelas emoções (tanto suas quanto alheias). Seus sistemas nervosos estão permanentemente em alerta máximo, processando os estímulos, seja os que provêm do mundo externo quanto aqueles que vêm do seu próprio mundo interno. Quando não sabem ou não conseguem lidar com esta sobrecarga sensorial e emocional, elas procuram adormecer os seus sentidos e suas emoções numa tentativa de bloquear sua sensibilidade.
Um outro fator de risco para a maioria de nós é a nossa vulnerabilidade ao estresse. De acordo com a dra. Judith Homberg[1], que está conduzindo uma pesquisa internacional sobre a alta sensibilidade e as adicções, as pessoas altamente sensíveis, experimentam problemas acima da média com o estresse. Isto não é surpreendente, uma vez que elas percebem todo tipo de sutilezas ao seu redor, respondem a elas e processam essas informações em um nível mais profundo em seus cérebros. Então, quando o cérebro recebe muitos estímulos (negativos), chega a um ponto em que não pode mais processá-los, e isso produz estresse. Para a dra Homberg, é precisamente esse fator de estresse que torna os altamente sensíveis mais suscetíveis a substâncias viciantes: “As drogas são uma fuga, uma maneira de lidar com todas as coisas que acontecem em suas cabeças.”, diz a pesquisadora. [2]
Outra razão que pode levar uma PAS a abusar de substâncias viciantes, particularmente o álcool, é a tentativa de reprimir a ansiedade em situações sociais. Isto é particularmente verdadeiro quando se trata de altamente sensíveis que são, também, introvertidos. Nestas circunstâncias, o álcool pode ajudar a superar a excessiva preocupação com seu desempenho e com o julgamento das outras pessoas e induzir a um estado de relaxamento que permite à PAS introvertida reduzir a sua autocrítica e interagir com as demais pessoas.
A importância da autoavaliação
Como disse antes, nem todas as pessoas altamente sensíveis se enfrentarão a este problema. Mas alguns de nós, eu própria incluída, temos uma predisposição que pode nos levar a comportamentos de dependência, seja de Internet ou telefone celular, abuso de cigarro, café ou álcool ou dependência de alimentos e distúrbios alimentares em geral. Por este motivo é fundamental buscar descobrir se estamos recorrendo a uma adicção como maneira de lidar com a nossa sensibilidade. Para sabê-lo comece se perguntando:
É importante destacar que o sentido deste trabalho de autoavaliação não é o de se culpar ou se punir por um determinado comportamento, mas sim o de entender as razões que levam você (ou eu) a procurar conforto num comportamento ou substância viciante. E, a partir daí, procurar desenvolver estratégias mais saudáveis para lidar com os desafios da alta sensibilidade. Um passo importante neste esforço é identificar os seus gatilhos, ou seja, as situações que disparam em você o desejo de apelar para a substância ou comportamento adictivo. Se quiser explorar quais são os seus gatilhos, lhe sugiro responder a este pequeno teste que estou disponibilizando aqui.
Uma vez que reconheça as situações que lhe levam a esta resposta padronizada, você poderá se preparar para responder de uma maneira nova quando estas circunstâncias se apresentarem. A chave para isto consiste em substituir o padrão por um novo método para aliviar a tensão
Algumas estratégias de enfrentamento
Se você acredita que está recorrendo ao álcool, comida, drogas ou outras substâncias e/ou condutas adictivas para suportar a sobrecarga emocional ou sensorial, aqui estão algumas sugestões que podem ser úteis para você:
- Cuide do básico. Sono, dieta e exercício são importantes para manter sua saúde emocional e ter uma sensação de equilíbrio e calma. Mesmo que não possamos controlar partes de nossa vida, sabemos que os elementos fundamentais são essenciais para manter-nos bem.
- Questione o seu hábito. Entenda qual o papel que o álcool, a comida ou outras substâncias/atividades desempenham no gerenciamento das suas emoções. Lhe entorpecem? Melhoram o seu humor? Haveria outras maneiras de obter o mesmo efeito calmante? ouvir música relaxante ou passar um dia na cama para ler e assistir filmes, etc.
- Identifique suas emoções. Muitas vezes o comportamento adictivo surge na tentativa de suprimir uma emoção não reconhecida e/ou indesejada. Ao invés de tentar negar seus sentimentos, aprenda a reconhecê-los e busque maneiras de expressar o que sente. Você pode fazer isso através de um diário, da conversa com um terapeuta, de alguma manifestação artística, etc. O importante é dar vazão aos seus sentimentos.
- Pratique autocompaixão. Esteja presente na sua emoção e no seu desejo. Reconheça que está saturado(a), ansioso(a) e trata-se com carinho. Seja seu melhor amigo(a) e pergunte-se o que você realmente precisa naquele momento. Isso lhe ajudará a identificar as necessidades que se escondem por trás do comportamento adictivo. Da mesma maneira, aprenda a se perdoar quando tiver recaídas. Lembre-se: você está (re)aprendendo a responder de maneira mais saudável aos desafios de ser altamente sensível e é natural que cometa erros no caminho
- Esteja consciente do seu ambiente. Se há coisas que estão afetando você, faça alguns esforços para mudar isso. Seja um ambiente difícil no trabalho ou um vizinho agressivo, essas coisas podem ter um impacto significativo no nosso humor e na capacidade de lidar com as coisas. Portanto, é bem mais produtivo encaramos as situações e procurar maneiras de resolvê-las ou, ao menos, minorar o nosso desconforto.
Por fim, compreenda que a alta sensibilidade é parte de quem você é e não algo do qual você pode (deveria poder) ligar ou desligar quando quiser. Como disse Buda: “Não há refúgio externo”. Quanto mais você insistir em desconsiderar o seu traço, mais desconfortável se sentirá. Quanto mais reconhecer a sua sensibilidade e aprender a superar os desafios, mais poderá aproveitar as vantagens que ela lhe traz, sem sentir a necessidade de anestesiar as suas percepções. Então, você não estará à mercê da sensação dolorosa de sobrecarga emocional e poderá se concentrar em encontrar um sentimento libertador de equilíbrio em sua vida. Espero, de coração, que estas reflexões lhe ajudem a encontrar este novo caminho.
Um grande abraço e até o próximo mês,
Beijos e bênçãos,
[1] da Universidade Radboud, em Nijmegen, na Holanda,
[2] https://www.eranid.eu/in-the-spotlight/in-the-spotlight-judith-homberg/